Resumo
Os métodos de ensino não são um fim, mas um meio pelo qual o professor logra alcançar os objetivos estabelecidos. O método, entretanto, por mais eficiente que possa parecer, não é mais importante do que o aluno. Ele deve ser empregado levando-se em consideração os paradigmas socioculturais e educacionais, os objetivos de ensino, a natureza do conteúdo, o nível do aluno, a natureza da aprendizagem, a realidade sociocultural do aluno, da escola e da comunidade em que estão adaptados. No uso dos métodos de ensino é indispensável que o professor conheça satisfatoriamente os conceitos teóricos que sustentam a metodologia empregada. Portanto, o melhor método de ensino sempre estará relacionado a esses conceitos e ao seu contexto fundante, bem como à relação dialética-dialógica entre o professor e o aluno.
Palavras-chave: método, procedimentos de ensino, Outro, olhar do formador.
Introdução
Ensinar, antes de tudo, é um ato mais reflexivo do que metódico. Um processo repleto de serpenteados, desvios e rupturas. Não se compara à marcha militar, mas ao borboletear alegre e colorido das festivas borboletas. O método dirige a aprendizagem por caminhos firmes, mas palmilhados, desarvorado e ermo até. O método não é um fim, mas um meio para atingir um epílogo que vai para além da fugacidade do ano letivo. O método passa, mas a relação professor/aluno permanece por toda vida.
1. Visa holística das Metodologias de Ensino
Peterossi e Fazenda com muita propriedade afirmaram que a “rigor não existe o método absoluto e eficiente”.[1] Todo método é uma trilha[2] e não um trilho sobre o qual o professor circula sem reflexão, transportando seus alunos à estação da Aprendizagem.
Não se usa um método absoluto e único em educação. Os processos que envolvem o ensino-aprendizagem, a educação e a formação do sujeito inclui, como asseverou Moura, “toda a teia de relações entre professor e alunos-alunos”, chamado pela autora de “metodologia de ensinagem”,
metodologia de ensinagem inclui muito mais do que a simples aplicação de uma técnica em determinado momento da prática pedagógica. Envolve toda a teia de relações entre professor e alunos-alunos que possibilita a realização do processo ensino-aprendizagem. Pressupõe a utilização de métodos, técnica de ensino, atividades e os diferentes recursos pedagógicos, ou como denomina Vygotsky os instrumentos psicológicos.[3]
O substantivo teia não se entende vulgarmente como aquilo que prende ou enreda, como pode considerar o leitor desatento pela fácil associação com o costume aracnídeo, mas a um conjunto de cadeias interconectadas e indissociáveis de relações entre os sujeitos. O sujeito como afirma Fernandes é
Constituído por diferentes vozes sociais, é marcado por intensa heterogeneidade e conflitos, espaços em que o desejo se inter-relaciona constitutivamente com o social e manifesta-se por meio da linguagem.[4]
Ensinar, portanto, é romper com a teia dos condicionamentos culturais e sociais. É pôr-se em movimento oposto à paralisia que se recusa à alteridade. É abrir-se ao colóquio dialético-dialógico.
Além de o professor conhecer a matéria a ser ensinada e os objetivos de ensino, Marques assevera que a consideração do professor em relação ao aluno é indispensável na escolha do método. De acordo com Marques “a escolha do método é determinada pela matéria a ser ensinada, pela maneira como o professor considera o aluno e pelos objetivos”.[5] Essa consideração necessariamente implica em um processo de desconstrução da visão míope que o professor tem de seu aluno.
Assim, para que o professor ensine, independente do método, é necessário que rompa, como afirmara Bakhtin, com as “fronteiras exteriores que configuram o homem”. [6] O olhar espacial do mestre, que configura o Outro[7] como mero recorte da realidade que o cerca, produz uma visão distorcida. Às vezes, encerra o sujeito no determinismo histórico e no fatalismo teleológico. As “fronteiras exteriores”, trata-se, segundo Bakhtin, de uma visão associada ao aspecto físico, transitório, circunstancial, metamórfico. Porém essa forma de “ver a outrem” se reduz na subjetividade do professor que, desatento, julga pela aparência fugaz, em constante mutação. Bakhtin salienta que
Apenas o outro pode, de maneira convincente, no plano estético (e ético), fazer-me viver o finito humano, sua materialidade empírica delimitada. Num mundo que me é exterior, o outro se oferece por inteiro à minha visão, enquanto elemento constitutivo deste mundo. A cada instante, vivo distintamente todas as fronteiras do outro, posso captá-lo por inteiro com a visão e o tato; vejo o traçado que lhe delimita a cabeça, o corpo contra o fundo do mundo exterior; no mundo exterior, o outro se mostra por inteiro à minha frente e minha visão pode esgotá-lo enquanto objeto entre os outros objetos, sem que nada venha ultrapassar o limite de sua configuração, venha romper sua unidade plástico-pictural, visível e tangível.[8]
Contudo, essa visão exteriorizada é reducionista, cega e incapaz de ir além do invólucro material que tanto “aproxima” como afasta o indivíduo do outro. Com este olhar, o professor apenas toca o aluno enquanto sujeito tátil, “objeto entre os outros objetos”, mas jamais lhe atinge a alma, o ser integral – emoção, vontade e intelecto. O docente que assim vê não é capaz de enxergar, uma vez que não fora educado a olhar além do invólucro da subjetividade.
Atenta ao olhar desagregador e reducionista do professor, Madalena Freira Welfort afirmara que
não fomos educados para olhar pensando o mundo, a realidade, nós mesmos. Nosso olhar cristalizado nos estereótipos produziu em nós paralisia, fatalismo, cegueira.[9]
De acordo com a educadora é imprescindível que o professor eduque o seu próprio olhar; que deixe de ser míope e condicionado. Isto somente é possível se o próprio abandonar o “olhar cristalizado”, condicionado por uma cultura que desaprendeu a olhar com alteridade, compaixão e amor, no entanto, (des) aprendeu a ver o próximo como seu concorrente, rival. Esses estereótipos são formados culturalmente nas salas dos professores, nas reuniões docentes, nos corredores escolares, quando emitimos nossas flamejantes opiniões reducionistas a respeito de nossos alunos, rotulando-os com os estereótipos de uma sociedade excludente e competitiva, de dominadores e dominados. Da mesma forma o aluno em relação ao professor.
Percebe-se, portanto, que ensinar não é despejar conteúdos na mente do aluno e ignorar o seu coração e sua experiência de vida. O ensino realiza-se na relação dialógica entre professor e aluno, por meio de uma educação problematizadora que supere a contradição educador-educandos, como afirmava Paulo Freire.[10]
Com essa mesma perspectiva afirmou Gramsci que “a relação entre o mestre e o aluno é uma relação ativa, de referências recíprocas, e portanto todo mestre é sempre aluno e todo aluno é mestre.”[11] Por conseguinte, o professor é um “guia amigável” da aprendizagem do aluno e, segundo Gramsci
a aprendizagem ocorre notadamente graças a um esforço espontâneo e autônomo do discente, e no qual o professor exerce apenas uma função de guia amigável, como ocorre ou deveria ocorrer na universidade. [12]
Diante do olhar que nega o Outro, qual método realmente eficaz?
2. O Método Apropriado
Há muitos caminhos e trilhas para se percorrer quanto refletimos a respeito das metodologias de ensino. Alguns fazem parte de uma época áurea, outros são tendências da pedagogia moderna. Mas ainda assim, são caminhos; meios pelos quais objetiva-se um fim: uma educação e aprendizagem integral, libertadora e perene que restitua ao homem a sua condição humana.
Quais fatores, no entanto, devem nortear a escolha do método? Obviamente:
(1) a seleção da metodologia[13] depende dos paradigmas socioculturais (industrial, existencial, dialética social, simbiosinérgico) e educacionais (racional, tecnológico, humanista, sociointeracionista, inventivo)[14] adotados.
Esses modelos possuem sua própria concepção de homem, de sociedade, de cultura, economia, espiritualidade, dialética e educação. Saber sob qual paradigma se assenta as escolhas metodológicas do educador é um importante passo ao quefazer pedagógico. Quantos educadores usam neologismos, “pedagogês” da moda, mas com práticas, teorias, paradigmas e metodologia que conflitam com suas escolhas e práticas pedagógicas? Todo educador precisa estar cônscio de que as teorias pedagógicas elaboram seus próprios métodos. O professor/alfabetizador, por exemplo, tem diante de si inúmeros métodos para alfabetizar a criança, o jovem e o adulto, mas qual deles realmente assenta-se sob o paradigma ou marco teórico defendido pelo docente? É possível ser eclético, como certo pedagogo se expressou acerca de sua prática didática? É possível ser “conservador” e “progressista” ao mesmo tempo? Aqui cabe perfeitamente uma crítica aos professores de Didática. Na formação do futuro formador os professores de Didática geralmente apresentam um amplíssimo leque de metodologias, mas descontextualizados de sua fundamentação teórica – eu mesmo possuo várias cópias xerográficas de métodos completamente fragmentados, parciais. Todavia estamos cônscios de que esses métodos estão vinculados a uma teoria com seus pressupostos específicos, teóricos determinados e visão de homem e sociedade peculiares. O professor cônscio de suas responsabilidades e preocupado com sua formação contínua, obviamente fará suas pesquisas para apreender a fundamentação teórica dos métodos didáticos apresentados.
(2) a seleção da metodologia precisa considerar os objetivos de ensino, natureza do conteúdo, nível do aluno e natureza da aprendizagem.[15] Sem esses elementos norteando a escolha do método dificilmente o professor logrará êxito nos procedimentos de ensino. Segundo Turra, procedimentos de ensino
são ações, processos ou comportamentos planejados pelo professor, para colocar o aluno em contato direto com coisas, fatos ou fenômenos que possibilitem modificar sua conduta, em função dos objetivos previstos.[16]
A escolha da metodologia deve considerar, portanto, a intrínseca relação entre os meios e procedimentos de ensino e desses com os objetivos ou resultados propostos. Cabe perfeitamente aqui as palavras do antigo educador Mattos ao afirma que o método “é o relacionamento prático, mas inteligente, dos meios e procedimentos com os objetivos ou resultados propostos”.[17]
(3) a seleção da metodologia deve considerar a realidade sociocultural do aluno, da escola e da comunidade em que ambos estão adaptados. Para que o método empregado seja operante é indispensável que o professor conheça os contextos do aluno, sua cosmovisão, conhecimentos, o sistema social em que se insere e ao qual serve. Martins assevera que
O método constitui o elemento unificador e sistematizador do processo de ensino, determinando o tipo de relação a ser estabelecida entre professor e alunos, conforme orientação filosófica que o fundamenta; tal orientação envolve uma concepção de homem e de mundo, respondendo, em última análise, a um ponto de vista de classe.[18]
Por essa mesma razão é necessário que o professor ao empregar certo método de ensino esteja consciente que não se trata de um “simples método”, mas todo um conceito teórico que sustenta essa metodologia vinculada “a uma visão de homem e de mundo que responde a interesses de classes”.[19] Fazendo assim, o professor terá uma visão mais adequada e abrangente de seu ensino e de suas escolhas didáticas. Ele está reforçando algum interesse de classe? A exclusão social? Sabe o professor que o currículo, os objetivos, em fim, o sistema educativo brasileiro foi organizado em função dos interesses de uma classe? Como, portanto, ensina o professor? Para manter e reforçar as injustiças, a exclusão social, o verticalismo e autoritarismo, a anulação da criatividade e do espírito crítico?[20] Ou o contrário? Que tipo de educação cristã, tradições e dominação o professor reforça com seu ensino, com a metodologia que usa?
A Estrada Não Percorrida
Duas estradas divergiam numa árvore amarela
E me ressenti não poder ambas percorrer
Sendo um só viajante, por muito me detive
E observei uma até quão longe pude
Só para observar que na relva desaparecia
Então segui pela outra, tão boa quanto,
E talvez por ter melhor reclame
Mais ramos possuía e talvez por ansiar uso
embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
as tivesse marcado por igual.
E, naquela manhã, em ambas igualmente jaziam
Folhas que passo algum pisara.
Ó deixei a primeira para outro dia!
E sabendo que um caminho leva a outro caminho
Duvidei se algum dia eu voltaria.
Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro
Em algum ponto, eras e eras ainda nesta existência,
Duas estradas bifurcavam numa árvore,
Eu trilhei a menos percorrida,
E isto fez toda a diferença.
(The Road not Taken, by Robert Frost [1984-1963].
Tradução de Ricardo Gondim).[21]
Conclusão
Os métodos de ensino são apenas um meio para atingir um fim maior: a aprendizagem do aluno. É necessário que o professor use-os de modo crítico e reflexivo, conhecendo os fundamentos teóricos que sustentam tal procedimento. Todavia, nenhum método será eficiente em si mesmo se o professor não estiver aberto ao diálogo-dialético com o seu aluno. O conceito que o educador tem de seu aluno traz consequências diretas à seleção dos métodos e dos procedimentos de ensino. Portanto, deve o ensinante buscar na relação com o Outro os elementos que os constituem como sujeitos ativos no processo de ensino-aprendizagem.
Referência Bibliográfica
ALVITE, M.M.Capelo. Didática e psicologia: crítica ao psicologismo na educação. 2.ed., São Paulo: Loyola, 1987, Coleção “Educ-Ação” – 2.
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BERTRAND, Ives; VALOIS, Paul. Paradigmas educacionais: escola e sociedades. Lisboa: Instituto Piaget [?], Coleção Horizontes Pedagógicos 17.
FERNANDES, Cleudemar A. Análise do discurso: reflexões introdutórias. 2.ed., rev., atual. São Paulo: Editora Claraluz, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p.78-79.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
MARQUES, Juracy C. A aula como processo. 2.ed., Brasília:Globo; Porto Alegre: INL, 1976.
MARTINS, Pura Lúcia Oliver. Didática teórica/didática prática: para além do confronto. São Paulo: Edições Loyola, 1991, Coleção Magistério em Ação 1.
MATTOS, Luiz Alves. Sumário de didática geral. 2.ed., Rio de Janeiro: Aurora, 1959.
MOURA, T.M. de Melo. Metodologia do ensino superior: saberes e fazeres da/para a prática docente. 2 ed.rev. e atual., Maceió:EDUFAL, 2009.
PETEROSSI, Helena. G.; FAZENDA, Ivani C.A. Anotações sobre metodologia e prática de ensino na escola de 1º grau. 3.ed., São Paulo: Edições Loyola, 1988.
TURRA, Clódia Maria G (et al.) Planejamento de ensino e avaliação. Porto Alegre: PUC/EMMA, 1975.
WEFFORT, Madalena Freire (et. al.) Educando o olhar da observação. In: WEFFORT, Madalena Freire (et. al.) Observação, registro, reflexão. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1997.
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MOURA, T.M. de Melo. Metodologia do ensino superior: saberes e fazeres da/para a prática docente. 2 ed.rev. – Maceió;EDUFAL, 2009, p.24.