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segunda-feira, 21 de junho de 2010

EJA: Currículo e Desafios (I)



Se somos progressistas, realmente abertos ao outro e à outra, devemos nos esforçar, com humildade, para diminuir, ao máximo, a distância entre o que dizemos e o que fazemos. (Freire, 2000, p.45)


O termo currículo procede do latim, curriculu, e literalmente significa “correr”, “atalho”, “carreira”. Apesar de se empregar o vocábulo com sentidos variegados, os dois mais comuns são: o currículo como a trajetória de vida profissional de um indivíduo, e o currículo como o conjunto de disciplinas que o estudante percorre durante um curso qualquer.

Em sentido lato, portanto, o currículo é a soma, síntese e agrupamento de um conjunto de dados, fatos e tarefas que descrevem uma trajetória profissional ou estudantil. Esses conceitos ainda são predominantes em alguns círculos informais. Todavia, Libâneo compreende o currículo, enquanto projeção do projeto pedagógico, o que define “o que ensinar, o para que ensinar, o como ensinar e as formas de avaliação, em estreita colaboração com a didática” (2008, p.168).

Assim, o currículo é um desdobramento da organização e do planejamento do projeto pedagógico-curricular, assim definido como as “diretrizes e ações do processo educativo a ser desenvolvido na escola” (Libâneo, 2008, p.151). Igualmente, César Coll afirma que a primeira função do currículo e sua razão de ser, “é explicitar o projeto – as intenções e o plano de ação – que preside as atividades educativas escolares” (1996, p.43).

Todavia, na educação, o conceito de currículo e seu desdobramento têm recebidos atenção redobrada já nos meados do século XX, se não, no próprio processo de educação desde o período colonial. Por conseguinte, a história da educação no Brasil, desde os períodos da colônia, evidencia que o currículo está intimamente relacionado ao desenvolvimento político, econômico, social, filosófico e, nalgumas vezes, religioso de seu tempo. Esta realidade não é apenas na educação brasileira, mas do mundo. Assim, portanto, afirma Sacristán (1989, p.22)

O currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (ideias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições.

De acordo com o autor, o currículo escolar surge das relações exteriores à escola e à educação, como a cultura, a sociedade, o conhecimento, a aprendizagem, e teoria e práticas. O currículo seria, de acordo com Sacristán, a seleção e organização desses elementos, ou como afirma Libâneo, “a seleção e organização da cultura” (2008, p.170). Em síntese, afirma Libâneo (2008, p.171)

o currículo reflete intenções (objetivos) e ações (conhecimentos, procedimentos, valores, formas de gestão, de avaliação etc.), tornadas realidade pelo trabalho dos professores e sob determinadas condições providas pela organização escolar, tendo em vista a melhor qualidade do processo de ensino aprendizagem.

Por conseguinte, o currículo reflete a filosofia e a cultura de seu tempo, razão pela qual pode ser definido sempre como um processo a fim de, e não propriamente uma norma descontextualizada da sociedade de então. Se determinado currículo for elaborado para responder as necessidades sociais, culturais, políticas e econômicas de seu tempo, como se espera, é até mesmo possível estudar a sociedade e seus interesses através dos objetivos e pressupostos curriculares.

Para comprovar a proposição acima, à guisa de exemplo, podemos citar o currículo na perspectiva de J. Dewey. Segundo Trina Traldi (1984, p.32), já ao final do século XIX (1896), na escola-laboratório da Universidade de Chicago, Dewey pretendia “na sua filosofia da experiência desenvolver o Currículo por experiência em que o aluno aprendia fazendo” (ênfase no original). Ainda discorrendo a respeito da proposta curricular de Dewey, a autora afirma que

o valor do Currículo está na possibilidade “de mostrar ao mestre os caminhos abertos à criança para o verdadeiro, o belo e o bom”, permitindo, a esse mesmo mestre, determinar o ambiente, o meio necessário para o desenvolvimento do educando e, assim “dirigir indiretamente a sua atividade mental”, porquanto, segundo ele, “tudo afinal se resume na atividade em que entra a inteligência reagindo ao que lhe é externamente apresentado” (1984, p.32).

W.H. Kilpatrick, o colaborador de Dewey afirma, que o “Currículo é uma sucessão de experiências escolares adequadas a produzir, de forma satisfatória, a contínua reconstrução da experiência” (Traldi, 1984, p.33). A preocupação da escola deweyana reflete o interesse da sociedade de seu tempo, mais preocupada com os elementos práticos e produtivos do industrialismo do que com teorias descontextualizadas com a realidade social e produtiva.

O currículo, assim entendido, é desenvolvido de acordo com certos pressupostos filosóficos e metodológicos por meio dos quais se organizam os objetivos, as estratégias, o programa e as bases de sua elaboração e desenvolvimento.

A Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA), por exemplo, reflete o que acima afirmamos. De acordo com os pressupostos da Declaração, elaborado por ocasião da V Conferência Internacional sobre a Educação de Adultos, em Hamburgo, Alemanha, a educação de adultos não é apenas um direito, mas a chave para o século XXI. Afirma o artigo 2 da referida Declaração que

[A educação de adultos] é tanto consequência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça.

Segundo a concepção do relatório, a educação de adultos engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas consideradas "adultas" pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade. A educação de adultos inclui a educação formal, a educação não-formal e o espectro da aprendizagem informal e incidental disponível numa sociedade multicultural, onde os estudos baseados na teoria e na pratica devem ser reconhecidos (Artigo 3).

Embora a Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Jovens e Adultos (Alemanha, 1997), seja uma excelente carta de intenção, que depende de atuação política para sua plena realização, entretanto, reflete uma ideologia e posição global das nações diante dos desafios da Educação de Jovens e Adultos no mundo. Observa-se que essa preocupação reflete o espírito de nossa contemporaneidade, inconformada com os insucessos e retrocessos do projeto político da modernidade.

Preocupação semelhante encontra-se nas leis de diversos países, entre eles, o Brasil. A Constituição Federal do Brasil, por exemplo, afirma que toda e qualquer educação tem como propósito o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Art. 205, ver Art.2º da LDB 9394/96). Exatamente os três principais interesses e discursos políticos dos governantes brasileiros: sujeito, cidadania e trabalho.

Percebe-se, portanto, uma iniciativa global que reflete o interesse pela educação de jovens e adultos com objetivos que visam (quadro 1):

  • desenvolver a autonomia;
  • o senso de responsabilidade das pessoas e comunidades;
  • o fortalecimento da capacidade do sujeito de discernir o seu tempo, a fim de lidar com as transformações que ocorrem na economia, na cultura e na sociedade globalizada;
  • promover a coexistência, a tolerância e a participação criativa e critica dos cidadãos em suas comunidades, permitindo assim que as pessoas controlem seus destinos e enfrentem os desafios que se encontram à frente.

Esses objetivos claramente expostos no artigo 5 da Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Jovens e Adultos, refletem a filosofia e propósitos que devem nortear os currículos de educação e formação profissional de jovens e adultos, em conformidade com os desafios prementes de nosso tempo e de nossa cultura. O currículo deve refletir os anseios, expectativas, filosofia e ideais de seu tempo. De acordo com César Coll (1996, p.43)

As atividades educativas escolares correspondem à ideia de que existem certos aspectos do crescimento pessoal, considerados importantes no âmbito da cultura do grupo, que não poderão ser realizados satisfatoriamente ou que não ocorrerão de forma alguma, a menos que seja fornecida uma ajuda específica, que sejam exercidas atividades de ensino especialmente pensadas para esse fim.

Isto posto, o ideal do currículo de formação de jovens e adultos é que ele possibilite ao alunato contato com diferentes elementos, fenômenos e acontecimentos do mundo; que os alunos sejam instigados por questões significativas para observá-los e explicá-los, a fim de que tenham acesso a modos variados de compreender o mundo e a sociedade em que vive. Porém, a formação de conceitos e a aprendizagem de fatos, procedimentos, atitudes e valores não se realizam de modo descontextualizado, pelo contrário, é mediado pelo mundo social e cultural nos quais o aprendente está inserido.

Por conseguinte, o currículo dirigido à formação de jovens e adultos deve considerar entre várias questões:

  • O sujeito que se quer formar;
  • A complexidade da sociedade hodierna;
  • O contexto plural e multicultural de nosso tempo;
  • A globalização e os seus desafios;
  • Ecologia;
  • As questões sócio-culturais relativas ao gênero;
  • Cosmovisão;
  • Tolerância e convivência, etc.

Assim, portanto, é dever e compromisso do currículo de formação de jovens e adultos buscar uma educação mais democrática e que não legitime as diferenças culturais e sociais. Antes, porém, que integre todos os saberes e competências necessárias ao pleno desenvolvimento e integração do sujeito em uma sociedade em contínuo processo de mudanças.

Para cumprir esse propósito é necessário e plausível distinguir a educação de jovens e adultos de outras categorias de educação, como faz, por exemplo, o Parecer CEB nº: 11/2000, que se ocupa das diretrizes da EJA. Nesse, distingue-se a educação de jovens e adultos das classes de aceleração. Afirma o Parecer que

As classes de aceleração e a educação de jovens e adultos são categorias diferentes. As primeiras são um meio didático-pedagógico e pretendem, com metodologia própria, dentro do ensino na faixa de sete a quatorze anos, sincronizar o ingresso de estudantes com a distorção idade/ano escolar, podendo avançar mais celeremente no seu processo de aprendizagem. Já a EJA é uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional, com finalidades e funções específicas.

A diferenciação entre as diversas modalidades educacionais é importante passo em direção à eficácia e concretização da EJA, vejamos.

  • Em primeiro lugar, o Parecer reconhece e distingue os grupos aos quais os projetos educacionais são dirigidos. Isso permite criar um currículo específico, com metodologia apropriada, garantindo a eficiência e completude da formação do educando.

  • Em segundo lugar, o Parecer identifica que os grupos assinalados estão em condições distintas e que necessitam de ações didático-pedagógicas diferenciadas. Parte, portanto, do reconhecimento de que a EJA não é uma orientação que enseja um processo inicial de alfabetização.
Diferente de algumas classes de alfabetização, a EJA desenvolve o trabalho de alfabetização com jovens e adultos que, para usar uma expressão freireana, já sabem ler o mundo antes de aprenderem a ler as palavras. O grupo é constituído de pessoas, como o próprio Parecer afirma, “maduras e talhadas por experiências mais longas de vida e de trabalho”. A isto, o Parecer chama de “função equalizadora da EJA” (ênfase no original).

Referências Bibliográficas


COLL, César. Psicologia e Currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo. São Paulo: Ática, Coleção Fundamentos, 1996.

V CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. Declaração de Hamburgo: agenda pra o futuro. Brasíllia: SESI/UNESCO, 1999. Disponível em: http://dominiopublico.gov.br, consulta realizada em 04 jun 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

GIMENO SACRISTÁN, J. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, Tomaz T.; MOREIRA, Antônio F. (Orgs.) Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995.

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 5.ed., ver.amp. Goiânia: MF Livros, 2008.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. PARECER CEB N. 11/2000

TRALDI, Lady Lina. Currículo. São Paulo: Atlas, 1984.

Crédito da imagem:

http://www.fundamig.org.br/2008/arquivos/image/eja.jpg

4 comentários:

  1. Gostei muito do seu blog. Meus parabéns! Vou divulgar esse espaço de conhecimento pedagógico.

    Selma, Aracaju.

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  2. Prezada Selma, de Aracaju, muito obrigado por suas palavras motivacionais e pelo interesse de divulgar nosso modesto blog.

    Um abraço

    Esdras Bentho

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  3. Amei seus post, já trabalhei com alfabetização de jovens e adultos e foi umas das atividades profissionais que me trouxe enorme satisfação!!!

    Venha conhecer os meus blogs tbm:
    http://dialogoeducacão.blogspot.com

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  4. nao aparece q?ue algm fez eja no curriculum né

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