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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

História da Criança e da Infância na Europa e no Brasil

A favor da infância e da criança no Brasil e na Igreja.
Aspectos históricos, sociais e políticos da infância na Europa

Ao considerarmos o desenvolvimento dos direitos das crianças nas duas últimas décadas, observamos que ainda presenciamos os anversos e reversos na busca do sentido da infância. Ao envolvermo-nos na pesquisa em epígrafe consideramos que ao se tratar da infância e da criança no Brasil não deveríamos ignorar os fatores históricos, sociais e políticos que circundam a temática. Se no ano de 1762 fazia sentido o discurso de Rousseau quando afirmou, em O Emílio, que ao se falar em educação de crianças deveríamos priorizar às mulheres, pois a natureza coube a elas esta nobre tarefa (1999, p.7), já não é mais relevante nos dias hodiernos, onde a mulher avançou de sua condição de mãe à empresária, funcionária, e profissional liberal.

Por conseguinte, procuramos reconstruir até onde fosse possível, o mosaico histórico, social e político que apresenta os fenômenos evolutivos da emancipação da mulher e os conceitos mutacionais de criança e infância na história. Para lograrmos êxito em nossa demanda optamos pela abordagem iconográfica de Ariès (1978), pela perspectiva do materialismo histórico de Vygotsky e Luria (1996), pelo estudo sócio-histórico-cultural no Brasil da doutora Kramer, e as argutas considerações e atualizações de Arroyo (1996), Pillotto (1998), Pereira e Jobim e Souza (1998).

Segundo Ariès, ao longo da história da humanidade, o conceito de infância transformou-se num gerúndio contínuo. O autor desvela este conceito a partir de estudos e classificações das características físicas e culturais, e, especialmente, como a criança é compreendida em cada período. Ariès trabalha com as relações sociais, históricas e culturais a partir de registros históricos e iconográficos. Portanto, afirma Arroyo (1994.), buscar o significado da infância não é uma categoria estática, mas em constante construção. Assim, não se deve falar de “infância”, mas “infâncias”. Deve-se investigar os diversos tipos de infância, como por exemplo, a infância rural que é diferente da urbana, e sobre essas diferenças é que se deve mapear cuidadosamente a que tipo de infans se está tratando.

Pereira, Jobim e Souza (1998, p.27), afirmam que cada momento histórico constrói simultaneamente suas questões e os modos pelos quais busca resolvê-la. A partir da dialética do esclarecimento (Adorno e Horkheime, 1986), explicam a evolução do conceito ocidental de criança através da tensão mito/razão, em que o mito congrega a fantasia, o medo, a circularidade temporal e outras características da chamada menoridade, ao passo que a razão se coloca como sinônimo de maioridade (grifo dos próprios autores).

De acordo com Ariès (1978), por volta do século XII a arte medieval desconhecia a infância. É provável que nesta época não houvesse lugar para a infância nesse mundo, o que explica o total desprezo pelas questões relacionadas à criança. Até o fim do século XIII, as crianças eram consideradas homens de tamanho reduzido. Sobre este momento, Arroyo (1994), devido à natureza de sua abordagem não faz uma longa consideração a esse período, mas afirma que durante muitos séculos a infância e a criança estiveram à margem da família, e a criança só era considerada sujeito quando chegava à idade da razão.

Todavia, Pereira, Jobim e Souza (1998, p.29), aludem à visão iluminista que em seu projeto de livrar os homens da ignorância ou do “não saber” e torná-los senhores do mundo, por via da razão, trouxe uma preocupação com a criança e sua formação, pois a mesma era considerada tábula rasa. Todavia a Ilustração não contemplava a criança um ser diferenciado, capaz de interagir com sua época, ou mesmo, para citar Heidegger, de compreender a si mesmo através do existir (existenziell), mais um vir-a-ser, um ser em potencial e não em realidade, o adulto de amanhã e não o ser de hoje. Nesse momento, portanto, a infância é compreendida como uma fase efêmera, passageira e transitória que precisa ser apressada (Pereira, Jobim e Souza, 1998, p.29).

No século XVI as crianças começam a vestir-se como tais. Ariès (1978), sugere duas leituras em perspectivas para a explicação desse fenômeno: a criança estava misturada com os adultos e, portanto, era necessário diferenciá-la do adulto; e os pintores gostavam de representar as crianças de modo mais pitoresco. A partir desse ponto é que o sentimento de infância é demonstrado. A criança está inserida na sociedade não pelo que ela é, mas pelo que representa à sociedade. Falta a compreensão de que a criança possui características próprias. Pilloto (1998, p.14), com perspicácia, salienta que essa visão foi generalizada mais pela forma de pensar da sociedade do que propriamente pelo que a criança representava no contexto histórico-cultural. Pelas entrelinhas do texto, fica claro que se trata de uma crítica a Äufklaerung (Iluminismo). Pereira, Jobim e Souza (1998, p.30), afirmam que foi sob o signo da razão que se estruturou a chamada vida moderna.

Aspectos históricos, sociais e políticos da criança e da infância no Brasil

Partindo do geral para o particular, da Europa para o Brasil, do método iconográfico para o sócio-político-cultural no Brasil, Kramer (1998, p.30) recorre à análise acerca do entendimento do sentimento de infância no Brasil a partir de pesquisas referentes às políticas educacionais e assistenciais até 1980. Segundo a autora a sociedade constrói seu entendimento de mundo e de criança dentro de um contexto criado historicamente. Pereira e Jobim e Souza (1998, p.30), depois de se embevecer em Horkheimer e Adorno, discutem os meandros dos aspectos positivistas na construção da história. O resultado dessa busca de sentido histórico, segundo as autoras, é que o modo como nos relacionamos com a infância revelam as formas de controle da história. Arroyo (1994) discorre sobre os diversos contextos da infância no Brasil, dentro do controle da história e dos direitos. Afirma que a construção da infância, historicamente, depende muito da construção de outros sujeitos.

Kramer (apud Pillotto 1998, p.14), em uma de suas pesquisas aponta o alto índice de mortalidade infantil, e que esta era a razão pela qual os adultos consideravam natural que as crianças morressem prematuramente. Arroyo (1994), numa abordagem através do eu lírico e experiencial, trata desse momento histórico no Brasil com muito pesar. Lembra-se o educador de muitos direitos que a criança não possuía, e, entre eles, estava o direito à vida. A mortalidade infantil lembra, era na faixa de 50 por cento. Por este motivo, diz Kramer, se elas sobrevivessem eram automaticamente inseridas na vida dos adultos. Isto explica a descaracterização do sentimento da infância no Brasil, tanto na sua forma de expressão como no fato de o adulto vê-la como simples extensão de si mesmo (apud Pillotto 1998, p.15). Este novo paradigma, conforme Kramer, se deve a dois importantes aspectos: as descobertas científicas, e as duas correntes do moderno movimento da infância – o paparico e a criança tratada como ser incompleto, imperfeita.

Somente após a superação da morte de um grande número de crianças no século XX, com as novas técnicas e tecnologias, permitindo o prolongamento da vida, é que um novo olhar se compenetra: a permanência da criança no mundo. Surge, portanto, a infância como categoria social, onde o olhar é desviado da mulher no âmbito da família, e redirecionado a uma atribuição social do Estado (Arroyo,1994). Kramer concorda com Arroyo neste particular. A autora coloca-nos à frente de duas questões: a criança numa concepção infantil e outra na significação social da família. Onde afeição pelas crianças não corresponde a sentimento de infância, este último é a consciência da particularidade infantil e, a particularidade da criança é o que a distingue do adulto. Isto posto, embora o conceito sobre a criança tenha evoluído desde a sociedade feudal, a modernidade ainda contempla a criança como um ser que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para o futuro, o que representa uma contradição (Kramer apud Pillotto 1998, p.16).

A Infância nos Dias Hodiernos

Por fim, a evolução do conceito e sentimento de infância ainda não encontraram o zênite, pois o processo é de constante construção. Todavia uma nova e significativa leitura em Vygotsky e Luria (1996) auxiliaram os pedagogos contemporâneos na compreensão da infância e da criança. Como é sabido, estes dois autores enfatizam questões referentes ao processo de aprendizagem e desenvolvimento infantil, numa perspectiva do materialismo histórico. Desta forma, o presente é resultado de um processo histórico. O desenvolvimento infantil e a aprendizagem se dão através dos pensamentos, das ações, das situações. É através delas que a criança se transforma de ser primitivo em ser cultural, ou seja, é na interação social que ela entrará em contato direto com seu mundo externo, utilizando-se de instrumentos mediadores. Quanto mais a criança aprende, mas ela se desenvolve.

Os estudos de Vygotsky e Luria foram importantes principalmente para quebrar a rotinização e, parafraseando Barbosa (2000, p.93) organizar a cotidianidade. Vygotsky difunde a leitura de que a criança é um ser único que possui características próprias e não uma réplica em miniatura do adulto. Hoje se sabe que a criança tem uma forma de ver o mundo diferente do adulto. A criança passa por grandes mudanças em todos os sentidos, dos mais específicos aos mais complexos à começar pelo recém-nascido. Para o recém-nascido, o mundo é cheio de ruídos e borrões; ele age instintivamente. Para Vygotsky e sua abordagem interacionista, o princípio orgânico doinfantis começa a ser substituído pela realidade externa social. A criança é inteligente ao seu modo, entretanto, percebe o mundo mais primitivamente e pensa diferente do adulto. O processo de elaboração do pensamento infantil se desenvolve a partir de significações de como o real se apresenta para ela e de como a mesma aprende. Destaca-se, sobretudo, a brincadeira como elemento necessário à criança para que se estabeleça um vínculo entre o imaginário e o real.

As Crianças e as Legislações Referentes

Integrada em um ambiente sociocultural, afirma Pillotto (1998, p.22), a criança sofre rápidas transformações, pois o meio cultural é o grande mediador na aprendizagem e no desenvolvimento humano. A criança, afirma, é um indivíduo com direitos e deveres que precisa ser respeitada e valorizada em cada movimento que realiza na conquista de sua autonomia, no desenvolvimento de seu espírito crítico e criativo, na construção de seu pensamento, no estímulo à ação cooperativa, responsável e solidária. Portanto, devemos considerar como Arroyo que entende a infância não como tempo para, mas como tempo em si.

Com a revolução industrial do pós-guerra, com o movimento feminista, e movimentos sociais femininos em busca dos direitos da mulher, as crianças começaram, principalmente no Brasil, a serem consideradas de modo embrionário na CLT de 1934. Em seu artigo 389 instituía que as fábricas que possuíssem mais de trinta mulheres acima de dezesseis (16) anos deveriam ter um espaço reservado para que essas operárias amamentassem seus filhos. Em 1961, embora a política trabalhista mantivesse os pressupostos da CLT de 1934, a LDB (4024), não fazia qualquer referência a Educação Infantil. Uma década depois, a Lei 5692/71 da LDB fez uma citação efêmera sobre a Educação Infantil, mas não vislumbrava a criança como um ser social, capaz de interagir e produzir cultura. A criança até então possuía certos direitos em função dos de sua mãe, em vez de obtê-los como dado natural ou “ser de direito”. Isto facilmente se observa quando consideramos que essas crianças, que eram criadas dentro do contexto das indústrias dos grandes centros urbanos, eram precocemente inseridas nas mesmas fábricas de seus pais, sendo ultrajadas, espancadas e sofrendo graves acidentes.

Somente a partir da LDB de 96 (9394) é que a criança passa a ser considerada como um ser de direito, muito embora a Educação Infantil não fosse obrigatória, e o Estado não se responsabilizasse pelas vagas nas instituições. É dentro desse contexto que devemos analisar a inserção da criança na Educação Infantil. Crianças que por capricho do cenário pós-guerra, ascensão do capitalismo e do padrão de vida cada vez mais baixo são estigmatizadas na sociedade.

Referências Bibliográficas (Adquira essas obras)

ARIÈS, Phillipe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

ARROYO, Miguel. O significado da infância. Anais do seminário Nacional de educação Infantil. Brasília;MEC ISEF COEDI, 1994.

BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Fragmentos sobre a rotinização da infância. In: STREHL, Afonso (org). Estrutura e funcionamento da educação básica: subsídios para alunos, professores e candidatos aos concursos do magistério, de acordo com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzaito, 2000.

PEREIRA, Rita Maria Ribes; SOUZA, Solange Jobim e. Infância, conhecimento e contemporaneidade. In: KRAMER, Sonia; LEITE, Maria Isabel. Infância e produção cultural. São Paulo: Papirus, 1998.

PILLOTTO, Silvia Sell Duarte. A criança: um estudo evolutivo sócio-político-cultural. Revista Univille. V. 3, Nº 1 abr.1998.

SOUZA, Solange Jobim e. Re-significando a psicologia do desenvolvimento: uma contribuição crítica à pesquisa da infância. In: KRAMER, Sonia (org.). Infância: fios e desafios da pesquisa. 3.ed., São Paulo:Papirus, 1998.

_______ Infância e Linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. 2.ed., Coleção magistério, formação e trabalho pedagógico. São Paulo: Papirus.

VIGOTSKI, L.S. O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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